Há alguns anos, um
amigo mostrou-me uma carta de oração que ele tinha recebido sobre um
"Reavivamento da Cura Milagrosa". Junto tinha uma "Folha de Pedido
de Oração Milagrosa" com as seguintes instruções:
Pegue a folha de
oração que lhe enviamos e escreva nela o seu nome e, em seguida, imponha as
mãos sobre ela. Precisamos receber de volta os seus pedidos de oração para
podermos tocar neles e orar sobre eles, pois "se dois concordarem alguma
coisa que tocarem, isto será feito."
Por causa de uma
interpretação errada da tradução em inglês da Versão King James, o cristão
bem intencionado que escreveu esta carta descobriu uma chave nova para a
interpretação bíblica. A palavra tocarem, que é tão crucial para o seu ponto
de vista, nem sequer aparece no texto grego original, conforme deixa claro a
Bíblia na NVI na sua tradução do versículo: "Se dois de vocês
concordarem na terra em qualquer assunto sobre o qual pedirem, isto lhes será
feito por Meu Pai que está no céu" (Mt 18.19).
Apesar de um pouco
exagerado, este exemplo ilustra as maneiras incomuns e às vezes
surpreendentes como a Bíblia é interpretada e aplicada. Um dos meus
professores do seminário, Howard Hendricks, disse certa vez: "Muitos
elefantes aplicacionais estão enroscados em linhas de interpretação!"
Para podermos
interpretar e aplicar de maneira adequada a Palavra de Deus, precisamos estar
atentos ao que costumo chamar de os "sete pecados mortais" do
estudo bíblico. Neste estudo vamos estar identificando estes
"pecados" e descobrindo como podemos evitá-los.
1. O Texto por
Pretexto
Quando eu era
criança, nosso pastor sempre dava a seguinte bênção no final dos cultos:
"Vigie o Senhor entre mim e ti, quando estivermos separados um do
outro." Eu sempre achei que ele estava pedindo que Deus nos protegesse a
ambos até o próximo domingo, e tenho certeza de que era esta a sua intenção.
Foi somente há uns poucos anos que eu descobri que ele tirou este versículo
totalmente fora do seu contexto. E as palavras não são tão amigáveis como
podem parecer. Encontra-se em Gênesis 31, depois de Jacó e Labão terem tido
uma calorosa discussão ao fazerem uma aliança. Labão não confiava
inteiramente em Jacó e sabia que eles não iam continuar juntos. Por isso, ele
pede ao senhor que fique de olho no seu genro para que ele não maltrate as
suas duas filhas. Lido no seu contexto, o versículo é uma espécie de ameaça
piedosa – dificilmente uma bênção.
Para evitar o texto
por pretexto – tirar um versículo do seu contexto – precisamos entender que
para um bom estudo bíblico é preciso mais do que simplesmente olhar para uma
seqüência de versículos isolados. Jamais pensaríamos em ler um livro de
história, um romance, como lemos a Bíblia – uma frase de um capítulo, outra
de outro e assim por diante. Não faria sentido e perderíamos toda a trama da
história! A Bíblia foi escrita como unidades literárias completas, como
livros, cartas e poemas, para serem lidas do princípio ao fim.
2. Ser Muito Literal
Há alguns anos o
especialista em seitas, Walter Martin estava dando uma palestra sobre
Mormonismo. Alguns mórmons ficaram sabendo da palestra e resolveram
participar. Mais ou menos na metade da reunião, um deles se levantou e
começou a argumentar que Deus Pai tem um corpo físico como o nosso. Ele
"provava" o seu ponto citando passagens bíblicas que falam do
"braço direito", da "mão", dos "olhos" e de
outras parte e órgãos físicos de Deus.
Martin pediu que a
pessoa lesse em voz alta o Salmo 17.8: "Esconde-me à sombra das Tuas
asas", e perguntou se isto queria dizer que Deus tinha penas e asas.
"Mas, isto é apenas uma figura de linguagem", protestou o mórmon.
"Exatamente!" replicou Martin.
Para evitarmos um
tipo de literalismo rígido, precisamos entender que os autores bíblicos se
comunicavam de maneiras muito variadas – por meio de metáforas, símiles e
símbolos – através de uma variedade de gêneros literários, como a história,
provérbios, parábolas, cartas, poemas e profecias. Precisamos identificar o
tipo de linguagem e literatura que o autor está usando para podermos
interpretar corretamente o seu significado. Se assumirmos, por exemplo, que
um autor está falando literalmente quando está falando metaforicamente (o
erro cometido pelo mórmon), vamos acabar num absurdo.
3. Ignorar o Ambiente
Bíblico
A maioria dos
leitores da Bíblia estão familiarizados com as famosas palavras de Cristo à
igreja de Laodicéia: "Conheço a tuas obras, que nem és frio nem quente.
Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, e nem és quente nem
frio, estou a ponto de vomitar-te de minha boca" (Ap 3.15-16). Como
muitos cristãos ignoram o ambiente histórico e cultural desta passagem, eles
entendem erradamente as palavras de Cristo.
Normalmente assumimos
que "quente" significa espiritualmente vivo ou "no fogo"
do Senhor, ao passo que "frio" significa espiritualmente morto ou
contra Ele. Em outras palavras, Jesus preferiria que fôssemos a favor ou
contra Ele, em vez de neutros. Mas, esta interpretação de "quente"
e "frio" ignora totalmente o ambiente histórico e cultural desta
passagem e, portanto, leva ao erro.
A cidade de Colossos,
que ficava a menos de quinze quilômetros de Laodicéia, era conhecida pelas
suas águas frias e refrescantes. A cidade de Hierápolis ao norte era famosa
por suas benéficas fontes de água quente. Laodicéia tinha um aqueduto de nove
quilômetros de extensão que trazia para a cidade tanto a água fria como a
quente e, no momento em que as águas chegavam à cidade elas estavam mornas.
Assim, você pode ver
como este conhecimento mudo radicalmente a maneira como interpretamos esta
passagem. Jesus nunca iria querer que ninguém fosse espiritualmente morto ou
contra Ele, e certamente não iria preferir esta condição a um cristianismo
morno – mesmo que Ele deteste este último. Nesta passagem, tanto
"frio" como "quente" são excelentes e benéficos, como um
copo refrescante de água gelada ou um bom banho quente. Portanto, seja você
"quente" ou "frio" Jesus ficará extremamente satisfeito.
Só não seja morno!
4. Confiar em Traduções Falhas
O primeiro exemplo
mencionado sobre a "Folha de Pedido de Oração Miraculosa" e a
palavra tocando ilustra como uma tradução falha pode muitas vezes levar-nos
ao erro.1 Outro caso a respeito envolve a passagem bastante popular sobre
direção – Provérbios 3.5-6: "Confia no Senhor de todo o teu coração, e
não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus
caminhos e ele dirigirá as tuas veredas". A respeito desta passagem o
Dr. Bruce Waltke escreve: Todos nós já sofremos a decepção de descobrir que
um versículo que gostamos muito nas versões tradicionais não era muito
preciso e que, por conseqüência, nos levou a passar por experiências não
autênticas. Lembro-me do espanto de dos membros do comitê encarregado de
traduzir o livro de Provérbios para a NIV quando descobriu que Provérbios 3.5
[-6] não tinha nada a dizer sobre direção. Ele havia escolhido como o seu
lema de vida "reconhece-O em todos os teus caminhos e Ele endireitará as
tuas veredas". Mas ao se confrontar com os dados lingüísticos ele teve
de admitir com relutância que o versículo na verdade dizia: ". . . e Ele
tornará suave as tuas veredas".2
A idéia de
"suave" ou "reto" não tem nada a ver com direção,
significando na verdade que o Senhor vai remover os obstáculos do nosso
caminho e nos ajudar a atingir os Seus propósitos para nós.
Apesar de algumas
traduções da Bíblia serem claramente melhores que outras, nenhuma é perfeita.
Portanto, é de grande ajuda ler um texto em várias traduções. Quando fizer,
preste muita atenção às diferenças em termos de palavras, gramática e
estrutura da frase. Desta forma, você consegue obter uma melhor compreensão
do que o escritor estava realmente querendo dizer.
5. Interpretação
Pessoal
Você já não ouviu o
verso jocoso "Maravilhosas coisas na Bíblia se vê. Coisas ali colocadas
por mim e por você." É verdade que sempre somos tentados a ler nas
Escrituras as nossas próprias idéias e os nossos próprios interesses, em vez
daquilo que o escritor queria realmente comunicar. Por exemplo, desde o
início da década de 50, certos cristãos têm usado com muita freqüência 3 João
2 para justificar a idéia de que Deus quer que todos os cristãos tenham
prosperidade financeira e boa saúde física: "Amado, acima de tudo, faço
votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma"
(Almeida – Revista e Atualizada no Brasil). O estudioso pentecostal Gordon
Fee afirma que este versículo é simplesmente "a forma padrão de uma
saudação pessoal nas cartas de antigamente." Portanto, "extrapolar
os votos de João para Gaio para a prosperidade financeira e material de todos
os cristãos de todas as épocas é totalmente fora do texto."3
Como podemos ter
certeza de que entendemos o que o escritor queria dizer? Adquirimos essa
confiança praticando os princípios descritos nos pontos 1 a 4 deste artigo – todos
relacionados com descobrir a intenção do escritor: (1) leia as afirmações do
escritor em todo o seu contexto em vez de somente os textos isolados, (2)
seja sensível ao tipo de linguagem e literatura que o escritor está
utilizando, (3) procure conhecer o fundo histórico e cultural do que o
escritor está falando e (4) certifique-se de que a interpretação está sendo
baseada sobre o que o escritor realmente disse em vez de sobre o que ele parece
ter dito numa tradução pobre. Cada um destes princípios constitui um meio de
evitar que a Bíblia diga o que queremos que ela diga em vez do que o escritor
– em última análise o próprio Deus – quer nos comunicar.
6. Pensar Que Você
Pode Fazer Tudo
Depois de dar início
à Reforma Protestante, uma das primeiras coisas que Martinho Lutero fez foi
traduzir a Bíblia para a língua do povo. Ele imaginava que qualquer pessoa da
roça armado com as Escrituras era melhor do que todos os papas ou concílios
ou credos da Europa. De fato, a Reforma reafirmava a verdade de que nós não
temos de nos basear nos "especialistas" para entender a Palavra de
Deus.
Mas, seria uma tolice
levar isto ao extremo, ignorando as riquezas dos recursos com que Deus nos
supriu. Nos dias de hoje existem mais ferramentas para estudo bíblicos
disponíveis do que em qualquer outro tempo da história – ferramentas que
podem tornar o seu estudo bíblico pessoal muito mais compensador e agradável.
Toda biblioteca cristã deveria ter pelo menos o seguinte material: uma boa
Bíblia de estudos e mais duas ou três traduções modernas, um comentário
bíblico em um ou dois volumes, um Dicionário Bíblico e um Atlas Bíblico. Você
poderia também considerar os muitos guias de estudos bíblicos excelentes
existentes hoje em dia, tanto para o seu devocional pessoal como para estudos
bíblicos em pequenos grupos.
Sendo o estudo
bíblico um exercício tão bom para o espírito como para a mente, deveríamos
nós também seguir o conselho de Paulo ao seu jovem discípulo Timóteo: "Reflita
no que estou dizendo, pois o Senhor lhe dará entendimento em tudo (2 Tm 2.7).
Note as duas metades deste versículo. Primeiro, Paulo exorta Timóteo a pensar
no que ele disse. Estudar a Bíblia requer pensamento e reflexão, usando todas
as ferramentas e recursos que Deus nos deu para entender a Sua Palavra.
Segundo, Paulo diz a
Timóteo que é Deus quem dá o entendimento. Ele precisa revelar as áreas das
nossas vidas que precisam ser transformadas pela Sua Palavra e pelo Seu
Espírito. O salmista escreve: "Desvenda os meus olhos, para que eu
contemple as maravilhas da tua lei" (Sl 119.18). O Senhor é o único que
pode nos fazer ver claramente , por isso não podemos nos atrever a estudar a
Bíblia sem pedir a Sua ajuda.
7. Deixar de Aplicar
o Que Você Aprendeu
Quando eu era um
jovem cristão, havia um pastor no Texas que pensava que ter "a doutrina
bíblica" na mente era o aspecto mais importante da vida cristã. Ele
lecionava sobre os significados mais escondidos do "grego" e do
"hebraico", expondo os pontos mais intrincados da teologia
sistemática, e os seus alunos eram obrigados a anotar cada palavra.
Infelizmente, toda aquela "doutrina" sempre ia do seu cérebro para
os cadernos da congregação para serem cuidadosamente catalogados nas
prateleiras da biblioteca dos alunos para se encher de pó.
Por favor, não me
entenda mal. Eu penso que é de importância vital estudar a Bíblia e entender
os seus ensinamentos e a sua "doutrina". Mas Deus não escreveu a
Bíblia para encher os nossos cérebros, mas para transformar as nossas vidas.
Quando fazemos do estudo bíblico um exercício meramente acadêmico, abortamos
o propósito de mudança de vida que deveríamos experimentar na família, nos
relacionamentos, na profissão, no ministério e no envolvimento na sociedade.
Por esta razão, Tiago nos adverte: "Sejam praticantes da Palavra, e não
apenas ouvintes, enganando-se a si mesmos" (Tg 1.22).
Quando ficamos
sentados semana após semana, ouvindo os sermões, lendo livros cristãos e
participando de seminários, estamos nos enganando a nós mesmos se pensarmos
que estamos crescendo em Cristo apenas sendo expostos às escrituras.
Você pode, com muita
aplicação, evitar os seis primeiros "pecados mortais" do estudo
bíblico e ainda conhecer a Palavra de Deus somente na cabeça e não no
coração. O ensino da Bíblia precisa ser filtrado para a sua vida para que
haja um crescimento verdadeiro. Pergunte a si mesmo "Estou meramente
enchendo a minha mente, ou estou realmente aplicando o que estou
aprendendo?" A resposta honesta a esta pergunta pode ter um enorme
impacto tanto no seu estudo da Bíblia como na sua caminhada com o Senhor.
Notas:
1.
Não estou sugerindo que a Palavra de Deus é falha ou nula. Eu
creio na plena inspiração e na plena autoridade da Bíblia. Nem estou
sugerindo que a Versão King James [ou qualquer outra versão ou tradução] é
inteiramente defeituosa ou imperfeita. De muitas formas ela é uma excelente
versão. Mas, há alguns lugares em todas as traduções onde os tradutores
tomaram decisões não muito sábias quanto à fidelidade ao texto grego ou
hebreu. Conseqüentemente, precisamos ter certeza de que a nossa interpretação
de uma passagem específica está firmada numa tradução correta dessa passagem.
2. Conforme citado por Garry Friesen, Decision Making & the Will of
God (Portland, Ore.: Multnomah Press, 1980), p. 99.
3. Conforme citado por Bruce Barron, The Health and Wealth Gospel
(Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 1987), p. 92.
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